(UNESP 2018) - QUESTÕES

Leia o excerto do “Sermão do bom ladrão”, de Antônio Vieira (1608-1697), para responder às questões 01 e 02.

Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem; porque a confiança com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]

Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. (Essencial, 2011.)

01. QUESTÃO - No primeiro parágrafo, Antônio Vieira caracteriza a resposta do pirata a Alexandre Magno como 
a) dissimulada. 
b) ousada. 
c) enigmática. 
d) servil. 
e) hesitante.

02. QUESTÃO - No segundo parágrafo, Antônio Vieira torna explícito seu descontentamento com 
a) o filósofo Sêneca. 
b) os príncipes católicos. 
c) o imperador Nero. 
d) a doutrina estoica. 
e) os oradores evangélicos.






01. B Vieira informa que o pirata não era medroso ao retrucar a crítica de Alexandre: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Além disso, a pergunta do pirata era retórica, servindo para implicitamente chamar o imperador macedônico de ladrão. Trata-se, portanto, de uma atitude ousada.

02. E Padre Antônio Vieira censura os oradores evangélicos que não criticaram os príncipes corruptos. Esses padres foram benevolentes com a corrupção dos nobres, deveriam seguir o exemplo de Sêneca, que, na Roma de Nero, criticou a aristocracia corrupta. 

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